Por Thâmara Kaoru e Ligia GauriJosé Arbex Junior é jornalista e leciona na PUC. É editor do jornal laboratório contra ponto dos alunos da PUC, editor especial da revista Caros Amigos, além de trabalhar no conselho editorial do Brasil de Fato como editor do boletim mundo.
Em “O Auge do Relativismo”, do Mundo Pós Moderno, você diz que não há mais noção de bem e mal, certo e errado, sem que isso seja contestado. Você acredita que em relação às organizações criminosas também já está distorcida essa idéia de bem e mal?
Arbex: É que a própria idéia do que é crime é uma idéia muito prejudicada, o que é crime? Por exemplo, eu considero crime você mandar para fora para pagar banqueiros internacionais dezenas de bilhões de dólares em juros, enquanto a população dentro do Brasil está passando fome, não tem escola, não tem hospital... Isso é crime ou não é?
Eu acho que é crime o capital especulativo ganhar bilhões com os jogos financeiros da Bolsa de Valores sem ter nenhuma relação com a produção real de riquezas materiais... Isso é crime ou não é? Quer dizer, o que é crime atualmente, então? Crime é aquilo que é considerado meramente assunto policial? Eu acho que crime é muito mais do que um assunto policial, envolve práticas lesivas da sociedade, mas a partir do momento que o neoliberalismo consagra a idéia de que a busca do lucro ilimitado é legitimo, “vale tudo por dinheiro” como diz o Silvio Santos. Eu acho que a partir desse momento, a fronteira do que é crime e o que não é, fica uma fronteira prejudicada, eu acho que hoje em dia ninguém tem muito claro o que é crime e o que não é.
Quanto a mídia tem colaborado para a reflexão da sociedade? Você acha que no caso do PCC, os jornalistas estão cumprindo bem o papel de informar?
A: Eu acho que a mídia tem jogado um papel importante para entorpecer a consciência da sociedade sobre seus próprios problemas. A partir do momento que você cria um discurso que o mercado é a solução para todos os males, de que é só através do mercado que você vai resolver o problema da saúde, da educação, da aposentadoria e são as leis do mercado que devem reger as relações entre dos seres humanos, a partir desse momento é que é cada um por si e ninguém por ninguém. Quer dizer, então eu vou cuidar das minhas coisas, você vai cuidar das suas das suas. Isso gera um processo de fragmentação social que tem por passe aquela famosa sentença da Margaret Thatcher que é “Não existem sociedades só existem indivíduos”. Então essa é uma lógica individualista que abole a idéia de solidariedade social. Isso aí evidentemente prejudica qualquer reflexão sobre o destino da sociedade e nisso a mídia tem uma responsabilidade.
E no caso do PCC, você acha que os jornalistas estão fazendo uma cobertura correta? E que estão cumprindo com o seu papel?
A: Não. Os jornalistas não cumprem o papel porque eles retratam o PCC como se fosse um problema somente da esfera criminal. Então esse é um exemplo daquilo que eu estava te dizendo antes. Por que surge o PCC? Ele surge em uma situação de miséria social, de desmantelo do edifício prisional brasileiro. A população que vive nas prisões do Brasil vive em condições de absoluta miséria, é um deposito humano, é um absurdo o que acontece. Às vezes, não tem nem lugar para o preso dormir na cela, as pessoas tem que ficar penduradas na grade para outros poderem dormir, existe pratica de tortura cotidiana, é um terror, é um inferno. Então é claro que isso dá estimulo para o surgimento de organizações como o PCC. Por que acontece isso? Porque no Brasil não tem verba para sistema prisional, não tem verba para educação, não tem verba para saúde. E por que não tem verba? Porque os juros vão para pagar os banqueiros e não para o povo brasileiro. Então quando os jornais deixam de fazer essa discussão e situam o problema do PCC exclusivamente na esfera criminal, sem levar em conta o aspecto social mais amplo do problema, ele contribui para tornar o problema insolúvel, porque como é que você vai resolver o problema? Se você não aborda as causas verdadeiras dos problemas? Só tem um jeito, é fuzilar o PCC, quando eu acho que a solução não é fuzilar o PCC, é resolver os graves problemas de desigualdade social no Brasil.
Então você acha que o PCC tem algum fundo ideológico ou na verdade eles só estão reivindicando por causa das regalias mesmo?
A: Pelo que eu li de tudo o que eles escreveram, eles estão reivindicando que se cumpra a lei. O Brasil é tão louco, que é o único país que eu conheço que forma um grupo criminoso organizado para exigir o cumprimento da lei. O que eles estão exigindo? Vida decente para os prisioneiros. É isso que eu li até agora. Eles estão exigindo que se cumpram as normas de direitos humanos para os prisioneiros.
Você diz no seu livro “O século do crime” que muitos da classe média na África aderiram ao crime. E no Brasil também?
A: Cada vez mais. O narcotráfico movimenta por ano pelo menos dois trilhões de dólares. Quando eu escrevi o livro, movimentava mais de 500 bilhões. Agora está na fase de dois trilhões de dólares. Isso é muito, muito, muito mais do que o PIB (Produto interno Bruto) brasileiro, é quatro vezes o produto interno bruto do Brasil. Onde está esse dinheiro? Não está em Heliopólis, não está na Rocinha, não está nas favelas. Esse dinheiro está no circuito financeiro, está na Bolsa de Valores, nos grandes bancos. É ai que está o dinheiro do narcotráfico. E quem manipula esse dinheiro? É a classe média e a burguesia.
A Equipe do Acontece entrevistou o João de Barros da revista Caros Amigos. Ele falou que há empresas que ajudam o PCC “indiretamente”. Você também concorda com isso?
A: Claro, porque o PCC, inclusive, é envolvido com a exploração de linhas de ônibus, de vans, está envolvido com o narcotráfico, porque existem setores de bairros que ele controla em conjunto com o narcotráfico e também em conjunto com a policia. Quer dizer, você tem uma vasta rede de corrupção e de alianças diretas ou indiretas que associam o PCC, a polícia, o narcotráfico e setores da classe média.
Na Califórnia, os líderes são vistos como salvadores. No Brasil também?
A: Eu acho que dado o caos que existe no Brasil, caos em todos os setores, caos no setor da saúde, caos no setor da educação no setor econômico, dado o caos que está no Brasil, quando surge um grupo organizado como o PCC, que funciona, as pessoas ficam admiradas, ganha a simpatia das pessoas, “‘pô’ esse grupo funciona”. Eu acho que existe um pouco disso sim.
Mas você acha que é mais da classe baixa que conviveu com os lideres atuais?A: Acho que é em todos os setores. Eu já até ouvi campanha “Lula não cola, para presidente quero o Marcola.” (risos).
Agora estão falando mais do Marcola do que dos próprios governantes?
A: É, por causa disso, porque a organização dele mostrou centralização, coerência, coesão. Então isso tem um efeito que atrai as pessoas numa situação de caos que é o Brasil.
Por que a criminalidade continua?
A: Porque paga muito bem. Escuta aqui: por que o narcotráfico não é legalizado? Porque não paga imposto. As pessoas que comandam o narcotráfico, que estão nos bancos, no grande sistema financeiro, elas sabem que é o negocio mais lucrativo do mundo. Porque não paga imposto. O dia-a-dia do narcotráfico é bom para a polícia, porque suborna os policias. O narcotráfico suborna juizes, suborna deputados, suborna senadores, compra a consciência de milhões de pessoas no mundo inteiro. Então nós temos um a vasta rede de interesses, que está associada direta ou indiretamente ao narcotráfico e que faz com que o crime organizado se perpetue.
Você disse em seu livro “Showrnalismo” que após a Queda do Muro de Berlim, sua visão de mundo mudou e que as pessoas não davam tanta importância para o acontecimento. Você até disse que no dia a Folha de São Paulo publicou uma outra notícia e essa que foi tão importante foi deixada de lado, não recebendo o destaque merecido. Porque você acha que isso aconteceu?
A: Uma visão ridícula, subalterna, provinciana do que é o Brasil no lugar do Brasil no mundo. Quando você considera que o Silvio Santos é mais importante do que o muro de Berlim, significa que sua visão só chega até o quintal da sua casa e não passa disso. Então quer dizer, é uma incapacidade de olhar para o resto do mundo e entende-lo. E de situar o Brasil nesse contexto mundial.
Você acha que para que os brasileiros busquem soluções e “acordem” para o problema eles também tinham que viver a situação? Você acha que os brasileiros precisam de alguma coisa assim para abrir a visão, como a queda do Muro de Berlim teve para você?
A: Eu não diria os brasileiros, a elite brasileira é uma elite provinciana, atrasada, mesquinha corrupta, ela está acostumada com 500 anos de mando arbitrário no país, nos 400 anos de escravismo e depois das varias ditaduras militares que houve no século XX. Então é uma elite que não suporta a democracia, que não tem nenhum compromisso com o país, é uma elite completamente subordinada ao capital estrangeiro. Ora, essa elite não vai mudar o Brasil. Só vai mudar quando essa elite for varrida. Precisa ter uma grande compulsão social no Brasil para derrotar a elite e produzir um outro país.
Então os ataques não foram um motivo para a elite acordar?
A: Não. Eles fazem parte disso, faz parte do jogo.
E você acha que a mídia contribui para a fama do Brasil de ser violento?
A: A própria mídia é violenta. A mídia é o que? Ela é endereçada! Quantas pessoas lêem jornal no Brasil? Sete milhões. O Brasil tem 180 milhões de habitantes. Sete milhões que lêem jornal, que dizer, ela é uma imprensa típica da elite, que é uma imprensa da elite, para a elite, pela elite, e é a televisão que chega para a população inteira. E para chegar à população inteira ela diminui o nível dos programas, explora o sensacionalismo, a baixaria, o sexo. Então uma imprensa que quando escrita é uma imprensa violenta porque é da elite e na televisão ela é violenta porque ele é uma imprensa suja, sensacionalista, barata, então a própria mídia faz parte da violência no Brasil.
Você fala em “O século do crime” de várias facções como a da Rússia, China e Japão. Por que a imprensa não faz uma divulgação do que acontece nesses países? E a imagem do Brasil que se tem lá fora é tão distorcida por sermos um país de terceiro mundo?A: Não, veja bem, no Brasil 45 mil pessoas morrem por ano vítimas de conflitos violentos, 45 mil. A ONU considera que 15 mil mortes violentas por ano já são suficientes para caracterizar guerra civil. Quer dizer, no Brasil tem três guerras civis acontecendo, 45 mil pessoas por ano, são mais de 100 pessoas por dia, é mais do que está morrendo no Iraque hoje aqui no Brasil. Então isso que gera no mundo um espanto. Que país é este?
E você acha que a mídia está especularizando este caso do PCC?
A: Claro, exatamente porque tira do contexto, não explica suas origens sociais, não explica suas causas, não explica o que surge no contexto de miséria, desigualdade social, etc. Então parece que é um crime pelo crime, surgiu do nada, espontaneamente e não é verdade.
Você disse no seu livro “Showrnalismo” que no atentado de 11 de setembro não foram mostradas as mortes em si. O que fez com que tivesse um aspecto cinematográfico. E no caso do PCC? Já que a mídia mostra as mortes, ataques, ameaças. Qual é a comparação?A: É que são dois casos diferentes, no caso do 11 de setembro o governo dos Estados Unidos estava preparando os país para guerra, para atacar o Afeganistão e atacar o Iraque. Ora, você não prepara o seu país para a guerra mostrando os seus mortos, porque aí você abate a sua moral. Eu vou entrar em uma guerra com gente morrendo. Agora aqui no Brasil há um contexto completamente diferente. A idéia é você criar pânico na classe média, para fortalecer a polícia e fortalecer o autoritarismo do Estado. O Estado tem que ser forte para controlar essa “bandidada”. Então a idéia é fortalecer o autoritarismo do Estado brasileiro.
Qual a sua opinião sobre a ousadia da facção criminosa não só em relação aos ataques, mas também ao seqüestro do jornalista Guilherme Portanova?
A: Eu acho que como eu lhe disse, eles são uma organização que tem alto índice, pelo menos aparentemente, de coesão. São bem organizados, bem estruturados, sabem o que quererem. E eles pegaram essa oportunidade. Faz parte desse jogo deles de pressionar a sociedade e de mostrar que eles estão bem organizados.
Você acha que a Rede Globo fez bem em mostrar o vídeo?A: Eu acho que ela não tinha opção. Ela não podia correr o risco do cara ser assassinado pelo PCC. Era um risco muito grande que ela corria. Principalmente depois do escândalo que foi o Tim Lopes. Quando ela praticamente obrigou o Tim Lopes a subir os morros do Rio e praticamente o jogou nos braços dos assassinos.
No seu Livro, há uma frase que me chamou a atenção: “O país [Brasil] é prioridade n° 1 na luta mundial contra a solidificação do Século do crime”.
Levando em conta as máfias da Itália, Japão, Rússia, China, por que o Brasil é o numero um nessa luta contra o Século do Crime?
A: Nenhum país se compara ao Brasil. Primeiro em número de mortes, 45 mil por ano, além disso, do tipo de especularização que existe no Brasil com a riqueza brasileira, são na ordem de bilhões de dólares, é muito dinheiro, qualquer ‘escadolozinho’ no Brasil é na ordem do bilhão de dólares. Então isso faz com o que Brasil seja visto com uma espécie de terra virgem, terra de ninguém.
No seu livro você menciona que o Brasil abriga muitos mafiosos que vêm de outros países se refugiar aqui. Mas por que o Brasil?
A: Por causa da situação de descontrole do Estado.
E quanto à localização?
A: Não, é descontrole do Estado mesmo. O Estado brasileiro é caótico, corrupto, tradicionalmente corrupto. Isso mudou um pouquinho, acho que a Policia Federal nos últimos cinco anos alterou um pouco essa realidade. Então não está tão grave quanto na época que eu escrevi o livro.
SAIBA MAIS!Entenda alguns termos utilizados por membros do PCC:
Irmãos: Integrantes da facção
Primos: Simpatizantes do PCC
Torres: Líderes mais graduados
Pilotos: Levam ordens aos Soldados
Soldado: Executa ordens
Bin Ladens: Pessoas que têm dívidas com o PCC e pagam com favores
Faculdades: Penitenciárias
Bodes: Telefones celulares
Fazer subir: Matar alguém
Mandar um salve: Dar um aviso
Fonte: Revista Época. Edição n°418.